Devo confessar que comecei este texto pelo título, embora normalmente deixe-o por último. A razão para esta inversão foi a decisão sobre usar ou não a palavra “ídolo”. Normalmente ela causa certa repulsa nas pessoas. Se nos restringirmos à definição mais estrita do verbete, realmente, não há adoração devida que não seja a Deus (pela minha crença). Mas para mim a palavra “ídolo” sempre denotou algo bem mais simples. Ídolo é aquela pessoa famosa que mesmo distante é capaz de afetar nosso humor ou influenciar nossos gostos. Não a ponto de fazer aceitar prontamente qualquer palavra dita por esta personalidade, muito menos fazer seguir seus passos. Mas que nos comova com intensidade suficiente para, por exemplo, nos fazer chorar sua morte.

Quando morreu Sid Vicious, vocalista da banda punk inglesa Sex Pistols, em Fevereiro de 1979, um jovem de Brasília de 18 anos chorou. “Nada me atingiu do jeito que a morte de Sid me atingiu. Chorei a noite toda, e era como uma espécie de grito, doloroso…”, disse ele em uma carta enviada a uma revista inglesa, assinada como Eric Russel. Mas o nome dele não era Eric. Era Renato.

Quando Renato Russo morreu, há exatos 15 anos, eu tinha 16. E chorei, como só chorara na morte de outro ídolo, Ayrton Senna, dois anos antes. Mas diferente de 94, onde o choro foi crescendo aos poucos, e se arrastando pelo resto do dia – e talvez por alguns outros – a morte de Renato me causou reação explosiva imediata. Uma inquietação que martelava em minha cabeça dizendo: “acabou”. Meu irmão, ao meu lado, tirou sarro, mas como disse o próprio Renato em sua carta sobre a morte do Sid: “Pode rir, você não entende”. Me lembro até hoje, recebi a notícia no horário do almoço. A tarde fui trabalhar vestindo uma camiseta com a imagem de Renato que tomava toda a frente, e nas mãos o CD “A Tempestade ou O Livro dos Dias”, recém-lançado, e que claro, eu já possuía. A camiseta era preta, o álbum fúnebre (para muitos, o mais depressivo da banda). E no encarte os dizeres:

O Brasil é uma República Federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus. 

Abaixo a íntegra da carta enviada por Renato Manfredini Júnior, publicada no Melody Maker, da Inglaterra, sobre a morte de Sid Vicious. (retirei daqui)

Acho que meu pai sabia, ele provavelmente viu na TV ou leu nos jornais, mas não me contou. Um amigo me disse e eu não acreditei. Tive que ligar para meu professor de violão e perguntar se ele tinha ouvido alguma coisa. Aconteceu numa sexta-feira, mas eu só soube da notícia domingo à noite. Nada me atingiu do jeito que a morte de Sid me atingiu. Chorei a noite toda, e era como uma espécie de grito, doloroso, não só por Syd, mas por tudo. Perdi completamente o controle de mim mesmo. Sabe, nada acontece aqui, nunca. Eu sempre recebo as notícias duas semanas atrasado. Não se lança nada de new wave (ou qualquer outra coisa boa que interesse) aqui, eu tenho que comprar importados no Rio. Tudo é discoteca, Travolta ou samba.

Quando a coisa do punk começou, eu e meus amigos entramos de cabeça porque alguma coisa estava acontecendo. Nos envolvemos com a música como não acontecia desde os Beaties e os Stones. Era diferente. Sid, John e o Clash, eram todos heróis. Eles pensavam do jeito que a gente pensava; nem mesmo o Airplane (Jefferson Airplane, grupo psicodélico formado em São Francisco, no auge do flower power) tinha batido tão perto em mim. Dava um certo medo, era como dividir alguma coisa, não era apenas ser um fã burro. (…) Ele morreu por causa do que era. E como Brian (Jones, guitarrista dos Stones), Jim (Morrison, vocalista dos Doors) e Gram (Parsons, ex-The Byrds, pioneiro do country rock que morreu em 1973, de uma overdose de morfina e tequila, em Joshua Tree, Califórnia), as pessoas só vão entender depois de alguns anos. Alguns vão esquecer, outros não, alguns já esqueceram, mas quando um herói éde verdade (eu digo herói mesmo), ele sobrevive. Aposto que alguém vai rir lendo isso. Pode rir, você não entende. (…) Eu cresci milênios de 75 para cá. Mas ainda tenho 18 anos. Vejo as coisas um pouco diferentes agora, e odeio… Mas vou passar por isso e não vou perder (ganhar) como Sid Vicious fez. E eu vou fazer por ele porque ele fez por mim

anderson

4 Responses to “Quando um ídolo se vai”

  1. Não só chorei, como também tomei um porre homérico naquele 11/10/96. Os ídolos podem não estar fisicamente no nosso dia a dia, mas a obra está sempre conosco, refletindo nossos pensamentos e emoções, trazendo à tona as nossas memórias, até mesmo inspirando as nossas ações futuras e encarar o fato de que nunca mais poderemos ver e ouvir nossos heróis é perder o chão. Ainda bem que temos os vídeos, discos e fotos para manter viva a chama dessas pessoas.

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