Eu não me lembro onde vi, recentemente, uma reportagem que falava sobre brigas de irmão mais novo com irmão mais velho, e a conduta dos pais nessas situações. É muito comum os pais absolverem o mais novo e atribuírem ao mais velho a responsabilidade, já que, por ser mais velho, deveria ter mais consciência para evitar o conflito.
Essa postura dos pais, dizem os especialistas, gera um duplo problema. O mais velho passa a se sentir injustiçado, ficando desiludido com os pais e ainda mais raivoso com o irmão, e o mais novo passa a se sentir protegido nas suas travessuras.
Acho que foi esse o meu erro, e possivelmente de muitos outros, na difícil relação entre os são-carlenses e os universitários que para cá vem estudar. Porque, é incrível, parece absurdo, mas há uma rixa entre “eles”1 que lembra muito briga de irmãos. De crianças. E nessa batalha sem sentido e infantil, eu sempre esperei e cobrei mais maturidade dos estudantes. Afinal, são bem instruídos, e bastante inteligentes para não se envolverem em trocas de ofensas geralmente regadas a preconceitos.
Talvez esse seja o erro. Talvez de tanto protestar apenas com quem vem de fora e, vez em quando, se considera condição vital para a cidade, eu, e outros, tenhamos sido complacentes ou até tenhamos ignorado as manifestações de ódio e aversão dos munícipes aos universitários. E a coisa só cresceu.
Tentando explicar: a rixa tola que há por aqui faz com que um lado ache que sustenta o outro. Afinal, quem estuda é vagabundo (normalmente os universitários tem aula em período integral, e por isso não trabalham – entendeu o raciocínio dos espertos?). E quem não estuda é burro, incapaz. Para quem vem de fora, a cidade é pouco atraente, não há opções de lazer, o custo de vida (sobretudo o aluguel) é alto, e os “minhocas” (pessoas “da terra”, da cidade local) são agressivos e indispostos. Para quem é daqui, a cidade é boa e não tem a menor intenção de ser igual à capital, os estudantes são folgados e elevam o custo de vida (principalmente os aluguéis).
Na prática, ambos ganham. Os estudantes trazem algum dinheiro (não muito, é verdade), geram diversos empregos, diretos e indiretos, oportunidades de negócio, conhecimento e diversidade cultural, e encontram na cidade o curso de graduação ou de pós que desejam e a estrutura para habitação, alimentação, transporte, e etc. Vejam só, o dinheiro dos universitários gera trabalho para os são-carlenses, e o trabalho dos são-carlenses atende às necessidades dos universitários. Mas há outras cidades com boas universidades, assim como há diversas outras formas de se ganhar a vida e movimentar a economia da cidade. Ninguém depende de ninguém, mas juntos, todos ganham! Algo tão óbvio e tão difícil de se fazer entender…
Na última semana aconteceu por aqui o TUSCA (Taça Universitária de São Carlos), evento que reuniu mais de 30 mil pessoas, e estudantes de todo o estado. Logo no primeiro dia, durante o famoso CORSO, um jovem aluno da POLI morreu afogado num córrego pelo qual a multidão passou. Encontraram-o morto no dia seguinte, e as primeiras perícias indicam que ele teria morrido por volta de 11 da noite, dizem. Portanto, bem depois da passagem do CORSO. O que faz todo sentido, afinal, se não é difícil imaginar alguém bêbado caindo no córrego onde muitos param para urinar, seria improvável que, de 30 mil pessoas, ninguém tivesse notado isso. Deve ter acontecido na volta. E convenhamos, não há evento no país que se responsabilize por entregar todos os bêbados (ou não) sãos e salvos às suas casas.
No entanto, mais uma vez vimos todas as infelizes manifestações agressivas de parte a parte. Alguns são-carlenses estupefatos com a manifestação jovem de excessos alcoólicos, e o trágico desfecho para um deles, protestaram (como em todos os anos) contra o evento e contra os “vagabundos” que participaram do evento “ao invés de estudarem”. Universitários indignados por serem tratados como “vagabundos”, com generalizações, e reclamando de usarem uma fatalidade isolada para demonizarem todo o evento.
Eu não nasci em São Carlos, mas também não vim para a cidade para estudar. Posso dizer que me tornei são-carlense muito antes de me tornar um universitário. Porém, já estive “dos dois lados” (e como é ruim ter que separar isso assim). Entendo um pouco de cada, mas sei, principalmente, que essa divisão não leva a nada, e que análises generalizadas e agressivas só vão intensificar essa divisão boba.
Sobre os últimos acontecimentos, atrevo-me a tecer algumas opiniões:
- Primeiro de tudo, vamos combinar: ninguém vai à quermesse da igreja para rezar. Ninguém vai a um happy hour para trabalhar. Logo, é óbvio que ninguém vai ao TUSCA para estudar. Essa é a parte do lazer, justo e necessário a todos, e do qual tenho certeza que nenhum cidadão abre mão.
- Há sim um consumo deliberadamente excessivo de álcool durante o CORSO. É uma espécie de “licença” que os estudantes se dão para um dia de “pode tudo”. E aí, um excesso leva a outro. E o que costumamos ver durante o evento realmente choca qualquer capiau.
- Eu não sou a melhor pessoa para afirmar isso, mas olhando de fora, tive a impressão de que o CORSO desse ano foi um dos mais organizados e com ocorrências até que normais para um evento deste porte (pouco carnaval fora de época no país movimenta tanta gente). Quem conheceu o TUSCA dez anos atrás, quando deixava um rastro de destruição por onde passava, e não restava uma placa de sinalização de trânsito intacta, ficaria surpreso.
- Metade ou mais dos problemas dos quais reclamam seria resolvido se houvessem banheiros químicos durante todo o percurso. Eu faço idéia de que isso não seja algo tão simples e barato, mas evitaria cenas deprimentes de pessoas urinando e defecando em vias públicas aos olhos de todos, principalmente os bêbados nas beiras dos córregos.
- A morte do estudante da POLI precisa ser “desvendada” pela perícia ainda, antes de qualquer conclusão precipitada ou comentário maldoso. Não dá pra pôr na conta da organização do evento se, por exemplo, ele tiver caído na volta, sozinho.
- O objetivo do evento não é aglutinar pessoas mal intencionadas a fim de praticar cenas de vandalismo, sexo explícito e etc. O que não impede que, entre as 30 mil pessoas que participam do evento gratuíto, haja pessoas dispostas a isso.
1Quando digo “eles”, é porque não me coloco em nenhum dos “lados” dessa pendenga. Ou me coloco dos dois, por já ter estado em ambos. Assim também acontece com muitos são-carlenses e muitos estudantes. O que exige outra ressalva importante: em todas as vezes que citei acima esses dois grupos, me referia apenas às pessoas desses grupos que sustentam essa bobagem. Claro que não são todos, e espero que nem seja a maioria. É bom que isso fique claro ou estaria eu agora caindo no mesmo erro da generalização.
olá, sempre leio seu blog quieto, mas dessa vez venho dizer que a reportagem que vc cita no início do seu post foi mostrada no Jornal Hoje da Globo num dia desses. ela pode ser vista em http://g1.globo.com/videos/jornal-hoje/v/saiba-como-os-pais-devem-administrar-os-conflitos-entre-os-irmaos/1371703/#/Edições/20101109/page/1
abraços a todos e parabéns pelo blog.
ah, e viva o Parmera!
Eu imaginava mesmo que tivesse visto em algum noticiário global. Valeu Whislei. 🙂
Sem querer (pesquisando alcool e quermesse) vim parar aqui e gostei muito da coerência e sobriedade da sua análise. Bem ponderada para um corintiano (sem generalização!!) sorry pela brincadeirinha…
parabéns pelo blog, vou visitar mais vezes
Foi o texto mais balanceado que li sobre o assunto. Parabéns pela frieza e calma para falar desse assunto delicado.